É difícil estabelecer uma data para o início do uso do RPG como ferramenta didática no Brasil. Porém, é fato que essa abordagem começou a ser utilizada por volta da década de 1990, quando os jogos de RPG começaram a se proliferar no nosso país. Entretanto, sabe-se que o Brasil é pioneiro nessa empreitada. Já foram realizados três simpósios sobre RPG e educação em São Paulo, dois em Curitiba e dois no Rio de Janeiro. Há aproximadamente 6 dissertações e teses defendidas, bem como 6 livros sobre o assunto. Não há informações sobre trabalhos acadêmicos terem sido publicados em outros países. Há poucos artigos produzidos por pesquisadores e educadores de outros países disponíveis na internet sobre o tema. Da mesma forma, alguns projetos estão sendo realizados em escolas por organizações cujo objetivo é o de difundir essa prática.
O RPG como atividade que não enfoque unicamente o lazer vem sendo utilizado com fins educacionais, terapêuticos ou para treinamento em empresas. Segundo Marcos Tanaka Riyis em seu livro “Simples – Manual para o uso do ‘RPG’ na educação”, o RPG é uma atividade de socialização e incentiva a cooperação, a interatividade, a leitura e a imaginação, o que o configura como uma prática que pode trazer uma série de benefícios para a sala de aula.
Conforme Carlos Eduardo Lourenço publicou nos “Anais do I Simpósio de RPG e Educação”, o RPG como instrumento didático pode ser usado para (1) apresentar conteúdo; ou (2) verificar conteúdo. Em “O Resgate de ‘Retirantes'”, do mesmo autor, por exemplo, traz uma aventura cujo objetivo é resgatar uma obra roubada de Cândido Portinari. Mesmo que os alunos-jogadores não tenham a mínima noção de quem Portinari foi, durante a partida aprenderão muitos aspectos da vida do pintor. Por outro lado, uma aventura de RPG pode servir como verificação do conteúdo, ou seja, uma aventura em que os alunos tenham que colocar em prática os conhecimentos adquiridos em aulas anteriores. Alfeu Marcatto, em “Saindo do Quadro”, sugere que o RPG não seja utilizado como instrumento de avaliação, isto é, que não seja usado para atribuir notas ou conceitos aos alunos, mas sim, que seja empregado como instrumento que auxilie no ensino e verificação do quanto os alunos assimilaram dos assuntos estudados em aula.
O objetivo do uso do RPG na sala de aula é o de proporcionar aos alunos uma atividade lúdica que crie um ambiente diferenciado e mais prazeroso para aprendizagem, facilitando, desta forma, o envolvimento do aluno com a temática a ser trabalhada, criando situações que se assemelhem à realidade. Na visão de Marcos Tanaka Riyis em seu livro “Simples – Manual para o uso do ‘RPG’ na educação”, através de uma partida de RPG, a exposição dos alunos a determinadas situações faz com que esses tenham que exercitar os conteúdos aprendidos, mesmo que seja através de uma aplicação imaginária. A assimilação de conteúdo é maior quando conseguimos pôr em prática aquilo que aprendemos.
Por se tratar de uma atividade lúdica, de um jogo, o RPG dá à aula um caráter de informalidade, o que tende a ser benéfico, pois os alunos, espontaneamente, se interessam mais e ficam mais receptivos aos conteúdos a serem abordados. Além disso, com o caráter informal de uma aula, estabelecem-se vínculos entre professores e alunos. Os alunos passam a ter mais confiança em seu professor, e o professor passa a compreender melhor o mundo dos alunos.
Hoje em dia, muitos teóricos sugerem a utilização de atividades que tenham caráter interdisciplinar. Nildo Ribeiro Nogueira, em “Interdisciplinaridade aplicada”, diz que interdisciplinaridade é a integração das diferentes áreas do conhecimento, numa atividade que envolve troca e cooperação, dando espaço ao diálogo e ao planejamento. As disciplinas não se apresentam fragmentadas e compartimentadas, pois o problema proposto deve conduzir à unificação das mesmas. Iavani Fazenda, em seu livro “Interdisciplinaridade” diz que “a metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade científica, alicerça-se no diálogo e na colaboração, funda-se no desejo de inovar, de criar, de ir além e exercita-se na arte de pesquisa – não objetivando apenas uma valorização técnico-produtiva ou material, mas sobretudo, possibilitando uma ascese humana, na qual se desenvolva a capacidade criativa de transformar a concreta realidade mundana e histórica numa aquisição maior de educação em seu sentido lato, humanizante e liberador do próprio sentido de ser-no-mundo”.
Essa relação e unificação das disciplinas escolares pode ser facilmente obtida pelo uso do RPG, conforme Riyis em “Simples – Manual para o uso do ‘RPG’ na educação”. Os jogos de RPG são uma atividade interdisciplinar por natureza. Se na vida real as situações que nos são apresentadas freqüentemente abrangem diversas áreas do conhecimento ao mesmo tempo, numa aventura de RPG, diversos elementos estarão misturados, integrando as várias áreas do saber humano.
As primeiras práticas do uso de RPG como ferramenta pedagógica foram nas aulas de História. Dos livros de RPG publicados no Brasil que podem ser considerados didáticos ou paradidáticos, a maioria é voltada para essa matéria . As dissertações e teses defendidas no Brasil, no entanto, foram voltadas para diferentes áreas: design, língua portuguesa, pedagogia e geografia.
Em geral, quando professores decidem utilizar o RPG em suas aulas, costumam ter dúvidas de que maneira poderiam fazê-lo. Em primeiro lugar, os professores sempre serão os Mestres do Jogo; são os professores quem conduzirão as aventuras e, por conseguinte, apresentarão ou verificarão os conteúdos propostos. Os professores podem ter auxiliares ou monitores, para ajudá-los a conduzir as aventuras. Esses monitores devem ser alunos, de preferência, que já tenham tido experiência em “mestrar” . Os alunos-monitores podem ser bem úteis quando se tem um grande número de alunos em sala de aula, além de servir como um incentivo e valorização dos seus conhecimentos.
O número de participantes é outra questão relevante, pois, conforme mencionado na seção “O que é RPG“, o RPG é jogado com um grupo de quatro a sete jogadores, mais o Mestre. E o que fazer, quando se tem uma sala de aula com trinta ou quarenta alunos, que é a realidade da maior parte das escolas brasileiras? Há, pelo menos, duas possibilidades: ou cada aluno interpreta um personagem ou, conforme sugere Alfeu Marcatto em “Saindo do Quadro”, grupos de alunos interpretam personagens. Se cada aluno interpretar um personagem, é importante que haja alguns monitores para auxiliar na condução da aventura, porém, não é impossível jogar com todos os alunos sem ajuda. No segundo caso, perde-se a questão da individualidade, e as decisões são tomadas por grupos, no tocante à aventura, e em pequenos grupos, com relação aos personagens.
Também comentamos que uma partida de RPG não tem, necessariamente, uma duração. Ter uma aula de quarenta a cinqüenta minutos não significa um entrave, já que uma partida pode muito bem ser interrompida e retomada na aula seguinte, sendo jogada em tantas aulas quantas forem necessárias.
Assim como a variável tempo não interfere, a idade dos alunos não traz preocupação, pois o RPG pode ser utilizado com crianças desde as séries iniciais até adultos. Existem alguns relatos publicados nos “Anais do I Simpósio de RPG e Educação”, como o de Rosângela Basilli Mendes, que aplicou RPG com crianças de segunda, terceira e quarta séries, com resultados muito positivos.
Quanto ao sistema de regras, ambientação e aventuras, isso depende do objetivo do professor. Ele mesmo pode criar um sistema de jogo com os alunos e solicitar o seu auxílio na criação de aventuras, fazendo com que esses desempenhem um papel ainda mais importante nesse processo lúdico. Para Brian David Phillips, autor do artigo “Role-playing game in the English as a foreign language classroom”, alunos que costumam criar suas aventuras e/ou cenários tendem a se tornar melhores escritores e pensadores, pois o processo de elaboração de histórias e ambientações requer lógica, criatividade e muita pesquisa. Geralmente, os jogadores se preocupam em criar um ambiente que seja convincente e consistente para as aventuras imaginadas. A pesquisa para a criação de cenários e aventuras serve como pretexto para fazer com que os alunos se envolvam nessa atividade, incentivando a descoberta através do lúdico.